quarta-feira, 28 de maio de 2014

Ruminações ruminantes


Mais uma paralização dos rodoviários do Rio de Janeiro – a terceira! Greve em suaves prestações semanais! O que é isso? Virou programinha semanal? Não seria melhor um cineminha com a patroa? Ou queimar uma carninha na laje, com umas cervas, enquanto o preço não sobe? Pensando bem, melhor não,  a carne está cara. Que tal então uma pizza na lanchonete da esquina?

Fazem greve enquanto  já recebem o aumento de 10% negociado pelo sindicato da categoria. Mas um grupo dissidente quer mais, o mesmo acontece em São Paulo: “Queremos o mesmo aumento dos rodoviários da capital”, disse um rodoviário grevista em  Diadema. Aumento de 10%, – 3 pontos acima da inflação – tá bom, tá não? Parece que não.

“Quero dizer pra vocês uma coisa, e esta coisa é que a inflação está absolutamente sob controle”, diz a companheira-mor. E a inflação ri. E os preços estouram o limite superior da meta (6,5), cujo centro (4,5) já foi há muito abandonado. E o que se faz? Porrada nos preços administrados – a canetada! Repressão ao preço da energia elétrica (que vamos pagar a partir de 2015), subsídio nos combustíveis (que está desmilinguindo a Petrobras e já vem dos primeiros anos do outro companheiro, ainda mor), desonerações fiscais pontuais e outras “criatividades” do gênero. E dane a gastar dinheiro com bondades eleitoreiras e propaganda (fora a roubalheira e os 39 ministérios). E a inflação gargalha!

Neste clima de descrédito, claramente perceptível, o que acontece? O empresário, quando necessita reajustar os seus preços, já não mira no centro, nem mesmo no limite superior da meta – já avança 3 ou 4 pontos além, para se defender da inflação futura. E o trabalhador tenta fazer o mesmo. É  o retorno à cultura da inflação. Daí pedem aumentos claramente exagerados. Vai que conseguem…

Como conseguiram os garis aqui no Rio de Janeiro. Mas notem as diferenças. A principal: os garis são funcionários de uma estatal da prefeitura – a COMLURB – cujo orçamento vem, em grande parte, diretamente do Tesouro Municipal, já que a taxa de coleta de lixo mal cobre um terço da despesa. O aumento estava nas mãos do prefeito, unicamente. O Tesouro paga. Eu, você, todos nós pagamos, melhor diria! E os garis merecem melhor salário. Como merecem melhor paga tantas outras categorias de trabalhadores deste nosso Brasil. Inclusive a dos rodoviários, claro!

Lembro-me bem… Desculpem, caríssimos, vir agora com lembranças, mas hão de convir que delas também se vive. E sofre-se. O único aumento substancial que recebi em minha vida profissional foi concedido pelo primeiro presidente civil após a ditadura militar – o Sarney. Caramba! 100%!!! Passei a receber mais de oitocentos mil cruzados, mais um pouco virava milionário! Alguns meses depois (4 ou 5), aquele aumento generoso desmilinguia-se nas garras da inflação galopante. Como veem, eu já sofri esse filme: O Dragão da Inflação contra o Povo Trabalhador – filme de horror sem suspense. A versão atual ainda não é tão dramática, mas promete.

Outra diferença: os garis fizeram greve de uma semana, uma porrada só, forte e longa, mas as pessoas iam e vinham, talvez tapando o nariz ao passarem no lixo amontoado. As maldades se fazem de uma só vez, que logo o povo esquece, enquanto as bondades devem ser feitas a conta-gotas, para que perdurem na mente do povo. Era mais ou menos isto que Maquiavel ensinava ao príncipe. Os rodoviários do Rio estão fazendo justo o contrário; alguém precisa ensinar-lhes Maquiavel. Eu cá por mim, já estou ficando aporrinhado com essas greves recorrentes que, por não terem sentido, ou o terem desvirtuado, tendem a desmoralizar a própria categoria que as fazem. Os patrões adoram.

E os garis são uma categoria simpática ao povo, já os rodoviários… Esta é uma impressão mais particular, mas talvez não seja só minha. Quando o ônibus passa pela faixa da esquerda, chispado, com o motorista fingindo que não me vê, quem é que fica com a imagem queimada? Talvez ele esteja cumprindo horários, jornadas estafantes, determinações do patrão, mas o patrão eu não vejo, não conheço nem conhecerei jamais; eu xingo é o motorista! Portanto, meus queridos: juízo!

E eu já estava simpatizando com o movimento dos rodoviários. Li que na assembleia que fizeram na semana anterior, um representante dos black blocs ofereceu apoio à greve, que foi prontamente rechaçado. E um grupo pequeno de rodoviários também propôs palavras de ordem contra a Copa, negados pela maioria. Pensei: esses caras estão começando a focar melhor os seus interesses. Mas…

E mais: o que está acontecendo com os sindicatos? Fazem assembleias, discutem e negociam acordos salariais aparentemente razoáveis, tudo dentro da lei e, não obstante, desgarram-se dissidências a fazer greves à revelia dos sindicatos. E não é só com os rodoviários. Há dissidências em muitas outras categorias. Até no MST  e na UNE! O que está acontecendo, que os sindicatos não conseguem mais representar os seus representados? Sabe-se que muitos sindicatos são meras sinecuras de sindicalistas malandros ou espertos. E que essas sinecuras são alimentadas pelo imposto sindical descontado do trabalhador, por lei e à sua revelia. Isto vem de Getúlio, décadas e décadas de peleguismo, agora agravadas por doze anos de sindicatos e organizações sociais chapa-branca. O companheiro ainda mor, quando era oposição, bradava contra esse imposto, querendo vê-lo ao chão. Quando assumiu o poder, podendo fazê-lo, esqueceu completamente o assunto. Talvez esteja na hora de repensar tudo isso, de reinventar ou reformar os sindicatos e o sindicalismo.

Certo! Certo! Certo! Sei que existem outras motivações, outros interesses: calendário eleitoral, partidos, candidatos. Sei. Para essas motivações haverá tempo e lugar: em outubro, em frente à urna eleitoral. Aí é que eu quero ver! Agora seria melhor centrar energia na política da categoria reivindicante. Juízo, meus queridos, muito juízo!


E por agora basta de ruminações, voltarei com mais, outra hora. 

Um comentário:

  1. Pois é meu amigo, estamos diante de um processo de combo de "grevismo" e manifestações. Como se fossem modismo da década. Pelo Brasil só se ver noticias de manifestações por passarela sobre avenidas, por coleta de lixo, por reforma agrária, por melhoramento do ar atmosférico.Greve de todas as categorias ainda que suas reivindicações sejam atendidas, a greve tem de ser feita nem que seja por um dia. É o tempo das laranjas maduras, quer dizer dos pretensos candidatos aparecerem nestes movimentos como salvadores e defensores das melhorias e nós bem sabemos que não é bem assim. Sabemos que o poder os corrompe e toda luta fica na biografia deles. Ao povo as favas, ninguém virá para dar uma boa vida aos pobres, ninguém virá preocupado com infração, fome, seca, salários,saúde, educação. Todos pensam no umbigo deles.
    Uma boa cronica meu amigo com sua lucidez e experiência.
    Minha admiração e meu abraço de paz e luta.

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